quinta-feira, dezembro 03, 2015

Onde fica a cabeça se se perde o coração?

Pensou que tinha perdido realmente a cabeça naquele momento, depois de enviar todos os seus pensamentos. Mas também depois de ter perdido o coração perder a cabeça não era assim tão grave. Que tinha mais ela a perder? 

Outros diriam certamente que o que ela tinha perdido era a dignidade e não a cabeça. Quem é que quer ouvir as dores de um coração magoado? Não eles porventura. Mas para ela aquele desabafo não era falta de respeito próprio ou coisa que lhe valesse, era ela a despejar o que de infeccioso trazia dentro de si. Porque sabia que precisava de extrair a doença de si, cuspi-la cá para fora, e esta era única forma que tinha encontrado para o fazer. Escrevendo-o. Escrevendo-o uma última vez.

Por isso, escreveu-lhe a dor. Disse-lhe todos os seus sintomas e queixumes. Tinha estado a evitar fazê-lo. Não queria ser uma dessas mulheres. Mas sentiu que o precisava de fazer. Já era tempo a mais dentro de si. E quanto mais se calava mais as palavras se agarravam e lhe arranhavam a garganta. Já não aguentava mais. Precisava de se libertar daquela inquietude da mente e desembrulhar os sentimentos atolados em si.

A ele pesou-lhe a alma ao lê-la. Até aquele momento pouco tinha pensado nela. Tinha se abrigado na sua ausência para não sentir. O trabalho também tinha ajudado. Convencera-se que estava melhor assim. Mas lá no fundo sabia ser mentira. E agora que ela tinha tomado aquele passo na sua direcção, todas as suas frágeis fundações tinham desabado. Mas não lhe respondeu. Não foi capaz. Todas as inverdades que tinha contado a si próprio estavam agora em julgamento de si mesmo. Não sabia o que lhe dizer. Nem naquele momento nem talvez em momento algum.

Nessa noite não conseguiu dormir. Ela chegara e instalara-se na memória. A cabeça na almofada teimava em fugir para ela. E por vezes, quase podia jurar que sentia o seu perfume. Custou-lhe a sua ausência na cama. Custou-lhe verdadeiramente pela primeira vez. Até lá ainda não lhe tinha custado apesar do tempo que passara. E aí soube. Soube aquilo que tão bem tentara esquecer. E que até ali tinha conseguido.

No dia seguinte, ligou para o trabalho e disse que estava doente. E estava. Doente dela. Não era mentira. Sentia uma saudade física tão grande que lhe doiam todos os seus sentidos. E o seu corpo tremia com a antecipação do inevitável. Não sabia o que fazer agora com a certeza da potencialidade de um coração estragado. Na sua consciência apenas restava o amargo de uma decisão que não tinha ponderado sequer. 

E então percebeu que era deles, e apenas deles, que o sonho era feito. E que não podia continuar a negá-lo. E fez o impensável. Despiu-se de dúvidas, desculpas e orgulhos, vestiu-se e correu para ela, na esperança que ela ainda lá estivesse. 

1 comentário:

Druid Bran disse...

Dos teus textos até agora, este foi um dos que mais me tocou