quarta-feira, fevereiro 20, 2008


“Persépolis” é uma história simples contada de forma simples. Como nos quadrinhos de Marjane Satrapi, em que é baseado, o filme dirigido pela própria Satrapi e Vincent Paronnaud consiste essencialmente de uma série de desenhos em preto e branco, grossas linhas negras preenchidas por nuances de cinza.
Em cartaz nos Estados Unidos a partir desta semana, a animação narra as crônicas de uma adolescente durante tempos difíceis. A trama se desenvolve com tanta graça, inteligência e charme que você quase esquece dos aspectos extraordinários de sua execução. No Brasil, a estréia é prevista para 15 de fevereiro.
Nesta era governada pela Pixar e por “Shrek”, é bom lembrar que as raízes da animação não estão numa técnica em particular, mas sim no impulso de dar vida a imagens estáticas. Mesmo com seu visual despretensioso, “Persépolis” é caloroso e surpreendente, com humor vivo e espírito independente. Seu retrato estilizado do mundo –- especialmente das ruas e prédios de Teerã e Viena –- transforma geografia em poesia.
Dos quadrinhos para as telas

Se “Persépolis” fosse baseado numa narrativa convencional em vez de uma história em quadrinhos, as memórias de juventude de Satrapi no Irã pré e pós revolucionário não seriam tão emocionantes e maravilhosas. Da mesma forma, se a adaptação cinematográfica fosse atuada de forma convencional, ela seria inevitavelmente menos mágica e real.
As três personagens principais são dubladas por grandes atrizes francesas: Chiara Mastroianni, Catherine Deneuve e Danielle Darrieux, que dão voz à jovem Marjane, sua mãe e sua avó. Deneuve é mãe de Mastroianni na vida real, e Darrieux interpretou a mãe de Deneuve no cinema há 40 anos, em “Le demoiselles de Rochefort”.
A avó vivida por Darrieux é a âncora matriarcal de “Persépolis”, fonte de humor e orientação moral para a pequena Marjane e também a encarnação do feminismo contido no filme. Como sua avó, Marjane é naturalmente rebelde. Para ela, a liberdade é um direito, por isso, desafia o mundo.
Entretanto, o mundo reage. Marjane cresce em uma família de intelectuais de esquerda que sofrem primeiro sob a ditadura, depois, sob a vitória dos revolucionários islâmicos. Essa história política, que inclui guerra, tortura e assassinato, é passada na tela com economia e inteligência impressionantes. As barbas dos religiosos são como buracos negros na tela, sugando toda a luz.
Sem heroísmo

Contra a força da intolerância e da superstição, Marjane segue os passos de sua avó e assume uma postura combativa. Apesar de sua auto-confiança, Satrapi não se mostra de forma heróica. As dimensões políticas de sua história são tão claras ou simples quanto seu estilo visual, mas “Persépolis” revela mais por meio de sentimentos do que de palavras e apóia seus argumentos nas incertezas da adolescência.
Temendo por sua segurança durante um período de guerra e repressão política, os pais de Marjane a mandam para a Áustria, e a alienação que ela experimenta lá é o contraponto da ansiedade vivida em Teerã. Na Áustria, ela se perde nos prazeres do punk rock e da cultura alternativa, mas se decepciona quando encara o niilismo europeu. É em Viena que seu problema se torna claro, um dilema que não é só seu. Ou ela vive longe de casa com um pouco de liberdade, ou volta para casa mas deve abrir mão de sua individualidade.
“Persépolis” dramatiza esse dilema sem forçar uma solução fácil ou sentimental. Enquanto sua jovem personagem se entrega à depressão, a autora e diretora Satrapi evita sentir pena de si própria.
O clima do filme é freqüentemente sombrio, mas também chama a atenção por seu encantamento e ousadia. É a expressão perfeita da resistência artística aos poderosos e opressores, que insistem que o mundo só pode ser visto em preto e branco.

6 comentários:

João Marcelo disse...

Quero ler um comentário... teu!:) O que achaste?

Marta da Cunha e Castro disse...

Lol!! E tu comentares não?! Fazemos uma troca, se tu comentares eu também comento!! =P

João Marcelo disse...

Eh pá... é tarde e não me apetece ter esse trabalho. Fica para amanhã. Prometo que comento.

Marta da Cunha e Castro disse...

Preguiçoso =P

João Marcelo disse...

O prometido é devido... atrasado, mas devido! Achei o filme extremamente interessante, por variados motivos:

1 - O tema é polémico e actual: o choque das civilizações islâmica e ocidental;

2 - O filme quebra o estigma de que as sociedades europeias é que são boas e civilizadas e que os europeus sempre se envolveram politicamente pelas melhores razões no destino político de nações muçulmanas. O filme consegue ser muito irónico e fazer uma análise perspicaz;

3 - O filme é falado em francês e é um filme sério e triste mas de animação (todo, do princípio ao fim), com desenhos muito diferentes das conhecidas BD's americanas ou japonesas, mas com uma enorme sensibilidade, expressividade e emotividade.

4 - A banda sonora é espantosa e a cor é muito bem usada.

Confesso que não é um filme fácil, principalmente porque não estamos "treinados" para ver este tipo de filmes. Estamos absolutamente formatados pelo cinema ao estilo americano e este filme foge completamente àquilo que estamos habituados a ver... e por isso choca! É preciso ir vê-lo com muita abertura de espírito...

Recomendo vivamente!

Marta da Cunha e Castro disse...

Concordo contigo, é um filme bastante diferente. É uma animé muito diferente do comum, não são bonequinhos todos bonitos ou bonecos ao estilo japonês. São bonecos um pouco mais cinzentos, sem uma vida e sem 3dimensões. A história, essa, também é cinzenta, e verdadeira. Daí talvez seja mais chocante. E dá-nos a visão do outro lado do mundo, que é tão diferente da nossa.