Sou viciado em amor. Sou dependente de amor. Sou o maior dos junkies de beijos, abraços, suores, salivas, gemidos, sussurros e tudo o mais que te passe pela cabeça. Sou um desgraçado de um carinhodependente, um miserável de um cumplicidadenómano. Preciso de quem amo como quem precisa de ar para respirar, preciso de amar como quem precisa de água para beber. Preciso de comer (n)a vida dos outros para que a minha vida não me coma de cebolada. Preciso da vida dos outros, da presença dos outros: da existência, real, dos outros por dentro da minha existência. Só nela, com ela, por ela, em ela, existo. E sem ela desisto. Sou um fraco, sim. E é de lá – do mais fundo de lá - que vem a minha força.
Não acredito nas tretas que agora se vendem ao quilo em hipermercados de almas. Não acredito na tanga de que o amor não deve ser asfixiante. Não acredito na bullshit de que o amor deve ser a soma, perfeita, de dois inteiros – e não a soma, essa sim perfeita, de duas metades. Não acredito na pessegada da não-dependência de quem ama, do não precisar de quem ama. Não acredito. O amor, se não for precisar do outro como de pão para a boca, não é amor – é uma gosma qualquer, uma mistela qualquer. O amor, se não for dependência absoluta, se não for vício sem retorno, não é amor – é uma espécie de marca branca do gostar, uma espécie de contrafacção do amar. Eu sou pelas marcas de verdade. Eu sou pelo amor de verdade. Por mais que por vezes doa, por mais que por vezes custe. Mas a verdade, já se sabe, custa.
Hoje decidi escrever à mulher que amo. À mulher que ainda não sei que amo – mas que um dia vou amar. Decidi escrever-lhe para lhe dizer, antes de que ela me encontre e de que eu a encontre, aquilo que quero que ela seja – aquilo que quero que ela me seja: aquilo que exijo que ela me seja. Hoje decidi escrever à mulher que amo e dizer-lhe que, se quer ser a mulher que eu amo, tem de me amar como eu a amarei. E será assim que eu amarei: sem freio, sem parar um segundo que seja de pensar nela, sem parar um segundo que seja de a querer aqui, ao meu lado, em carne, em osso, em pele - ou então simplesmente numa chamada telefónica, numa mensagem de telemóvel, num e-mail que seja. Ouve, mulher que vou amar: se queres amar-me e fazer-me amado nesse amor de nós, ama como amar tem de ser, como amar só pode ser. E amar só pode ser sem parar, sem descanso, sem um segundo que seja de abstracção. Amar é com urgência, amar é com pressa, com pulsão. Amar com tranquilidade é gostar muito. Amar com tranquilidade é, no máximo, adorar bastante. E gostar muito e adorar bastante não chega. E gostar muito e adorar bastante não me chega. Eu sou por amar. Sem condições, sem tempo, sem escalonanento de prioridades. O amor não está sujeito a prioridades. O amor é um sujeito chamado prioridade. O amor, quando se ama, não ocupa tempo – é o tempo. Porque só assim é que chega a tempo. O amor, quando se ama, não se compadece com “tenho de fazer isto e depois venho amar-te” ou com “amanhã à noite amamo-nos”. O amor não se compadece – o amor, quando se compadece, adoece. Mirra, fica pequenino, murcha. E cai. E morre. O amor morre por falta de amor real. Essa é que é a realidade.
Não me venham com merdices. Com merdices de que a presença do amor vai para além do corpo, que é possível amar e sentir à distância como se fosse aqui, pele na pele, olho no olho. Não me venham, ainda, com a ideia de que o amor tem de ser saudável. Merda com isso. Merda para isso tudo. O amor não é saudável – é louvável. O amor é um milagre. E um milagre tem de ser, todos os dias, demencialmente, apreciado. O amor é um milagre diário – e que, para todos os dias poder ser o milagre que é, tem de receber loas e vénias e ser acarinhado e apreciado como se fosse o primeiro dos milagres. E é: o amor é sempre o primeiro dos milagres. Todos os dias, quando o amor continua a ser todos os dias, o amor é um milagre. O amor tem de ser amado. O amor não é uma empresa, não é uma reunião, não é uma associação de duas personalidades. O amor é tudo. É saber que se é aquilo, que se vive aquilo, que se sonha e acorda aquilo. O amor é saber que só se é aquilo. É claro que há os empregos e as carreiras e as obrigações e essas porcarias todas. Mas tudo isso, quando se ama, são meros espaços de passagens, irrelevantes espaços vazios: oco entretenimento para o que realmente interessa. E tu, minha mulher que amarei, tens de entender isso de uma vez por todas. Se queres ser a mulher que eu amo, tens de precisar de mim, tens de me asfixiar de ti, tens de estar, como as minhas pernas e os meus braços, em mim: sempre em mim. É claro que não é saudável, é claro que não é razoável, é claro que é insensato. Mas o amor não é saudável, o amor não é razoável, o amor não é sensato. O amor é para ser aquilo que não tem razão, aquilo que não explicação, aquilo que te tira da tua mão. O amor é para ser aquilo que te renova de ti, de um Eu que sempre foste, e que atira para um nós que nunca deixaste de ser. Depois, com o passar dos dias, se verá se ele resiste. Depois, com o passar dos dias, se verá se ele continua a ser, todos os dias, o milagre que hoje é. Depois pode até matar-te por afogo, enforcar-te por ansiedade. Mas que se dane: se isso acontecer já viveste, abençoado felizardo, o milagre de seres amor: de seres o que é, verdadeiramente, o amor. Se isso acontecer já sentiste a felicidade vezes sem conta, aquela sensação de que se a vida acabasse logo ali já teria valido a pena. Se isso acontecer já foste o deslumbramento de seres amor, a realização de seres amar. Se isso acontecer, já perdeste o ar tantas vezes, já ficaste sem respiração ainda mais tantas vezes. Ama, perde-te em amar, vive amar: sê amar. Deixa que amar te ocupe, deixa que amar te conquiste. Ama o abraço até à exaustão, ama o beijo até à devoção, ama o orgasmo até à comoção. Ama. Ama como se fosse para sempre. E quando se ama, naquele exacto segundo em que se ama, tem de se acreditar que é para sempre. Mais: tem de se ter a certeza de que é para sempre. Amar, mesmo que por segundos, mesmo que por instantes, é para sempre. E é isso, essa sensação de segundos ou de minutos ou de dias ou de horas ou de anos ou meses, que é para sempre. Ama. Ama por inteiro. Ama sem nada pelo meio. Ama, ama, ama, ama. Ama. Porque é só por aquilo que te faz perder a respiração que vale a pena respirar.
in "Eu Sou Deus"
Pedro Chagas Freitas
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