segunda-feira, fevereiro 10, 2014

Comecei a amar-te no dia em que te abandonei.

"Comecei a amar-te no dia em que te abandonei. 

Foram as palavras dele quando, dez anos depois, a encontrou por mero acaso no café. Ela sorriu, disse-lhe “olá, amo-te” mas os lábios só disseram “olá, está tudo bem?”. Ficaram horas a conversar, até que ele, nestas coisas era sempre ele a perder a vergonha por mais vergonha que tivesse naquilo que tinha feito (como é que fui deixar-te? como fui tão imbecil ao ponto de não perceber que estava em ti tudo o que queria?), lhe disse com toda a naturalidade do mundo que queria levá-la para a cama. Ela primeiro pensou em esbofeteá-lo e depois amá-lo a tarde toda e a noite toda, de seguida pensou em fugir dali e depois amá-lo a tarde toda e a noite toda, e finalmente resolveu não dizer nada e, lentamente, a esconder as lágrimas por dentro dos olhos, abandonou-o da mesma maneira que ele a abandonara uma década antes. Não era uma vingança nem sequer um castigo – apenas percebeu que estava tão perdida dentro do que sentia que tinha de ir para longe dali para ir para dentro de si. Pensou que provavelmente foi isso o que lhe aconteceu naquele dia longínquo em que a deixara, sozinha e esparramada de dor, no chão, para nunca mais voltar. 

De tudo o que amo és tu o que mais me apaixona. 

Foram as palavras dela, poucos minutos depois, quando ele, teimoso, a seguiu até ao fundo da rua em hora de ponta. Estavam frente a frente, toda a gente a passar sem perceber que ali se decidia o futuro do mundo. Ele disse: “casei-me com outra para te poder amar em paz”. Ela disse: “casei-me com outro para que houvesse um ruído que te calasse em mim”. Na verdade nem um nem outro disseram nada disso porque nem um nem outro eram poetas. Mas o que as palavras de um (“amo-te como um louco”) e as palavras de outro (“amo-te como uma louca”) disseram foi isso mesmo. A rua parou, então, diante do abraço deles."

Pedro Chagas Freitas in "O Livro dos Loucos


(In)confidência: 
Este texto veio-me parar às mãos através de uma pessoa muito especial que me disse que o tinha lido e se tinha lembrado de mim, que era como se este texto pudesse ter sido escrito por mim. E a verdade é que eu não posso deixar de concordar... Realmente podia ter sido eu a escrevê-lo, mas infelizmente não fui. O que aguça imenso a curiosidade de ler mais coisinhas deste menino, a ver se descubro este livro à venda. Cheira-me que o vou devorar num instante.

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