Despojos de Inverno, por Tiago Ramos
Título original: Winter's Bone (2010)
Realização: Debra Granik
Argumento: Debra Granik e Anne Rosellini
Elenco: Jennifer Lawrence, John Hawkes e Garret Dillahunt
Ainda estávamos em Janeiro de 2010 e Despojos de Inverno era tido como um dos favoritos na corrida aos Óscares 2011. Estreado no Festival de Sundance, o filme não manteve o estatuto de preferido até ao fim da corrida, dada a sua estreia precoce e à afincada concorrência, mas mesmo assim conseguiu arrancar quatro nomeações em categorias principais (Melhor Filme, Melhor Argumento Adaptado, Melhor Actriz e Melhor Actor Secundário).
Assente na nova sensação do cinema independente, Despojos de Inverno está longe de ser um feel good movie do género. É sim, pelo contrário, um dos filmes mais fortes e contundentes do ano que desmistifica o conceito de american dream – cada vez mais inexistente – e aborda a América perdida, em plena recessão, dramática e despojada. O drama da protagonista é o drama do interior empobrecido da América do Norte. Em plano de fundo, os Montes Ozark, numa atmosfera fria e nebulosa. O Inverno. O inverno da alma. O lado sombrio do Missouri. O lado negro dos humanos, das famílias. À adolescente Ree cabe-lhe o peso do mundo nos ombros, o sustento da família em meio a uma mãe em estado vegetal, dois irmãos mais novos e um pai desaparecido que colocou a casa como garantia do pagamento de uma fiança. A ela não lhe é dado espaço para ser adolescente e para sorrir.
Debra Ganick já tinha agradado no Festival de Sundance com Down to the Bone (2004) onde venceu oPrémio de Realização, com a história de uma mulher casada que tenta desesperadamente esconder o seu vício das drogas do marido, mas que com a chegada do Inverno, a situação torna-se insuportável. Daí que depreende-se – talvez precipitadamente devido à curta filmografia da realizadora – que esta é exímia em retratar essa problemática individual, essa dor interior e força de superação em clima de instabilidade. Este Despojos de Inverno não é assim tão diferente no seu cerne. Daí que consiga tornar-se um portento de filme – sem grandes alaridos, convenhamos – mas totalmente contido. É um filme que se revela a pequenos passos, vagarosamente, ao espectador, assente especialmente no clima atmosfericamente depressivo e frio. Um trabalho de abstracção individual bastante competente e rico, dentro de toda a sua simplicidade.
Obviamente que Jennifer Lawrence – a grande revelação do ano – tal como a sua personagem suporta o peso da responsabilidade precoce, suporta o filme. Num sofrimento contido, mas uma coragem e força imensuráveis. Uma interpretação sóbria, mas absolutamente estrondosa – seguramente uma das melhores do ano, deixando o espectador com um nó na garganta. O mesmo com um irreconhecível John Hawkes, que acabou por merecer o reconhecimento com uma nomeação ao Óscar de Melhor Actor Secundário.
Também o argumento de Debra Ganick e Anne Roselinni, adaptado do romance de Daniel Woodrell é bastante competente na forma simples como contribui para criar um grande filme. As personagens, mesmo que nunca intimamente exploradas – ao contrário da Ree – transmitem a verdadeira noção da história ao contribuir para o sentimento de individualidade e independência apresentado pela protagonista, logo no início, quando a realizadora a filma como durona, solitária, destemida, a cada passo que sobe e desce a colina. É possível, a cada frame, a cada avançar da lenta narrativa, observar o desespero de toda a comunidade, o seu lado sombrio, mas ao mesmo tempo não se perde apenas nessas ambiências, focando-se no estritamente necessário e indo directo ao assunto: o drama pessoal da protagonista. Daí que se torne competente na sua finalidade e evitar os lugares comuns de argumentos do género que se baseiam em meros artifícios como forma de ocultar a (fraca) qualidade da história. Também a fotografia, da autoria de Michael McDonough (dos segmentos “Shunji Iwai” e “Allen Hughes” de New York, I Love You) é igualmente fantástica e preponderante na construção do cenário e ambiente vividos em Despojos de Inverno. Fria, sombria, nublada, amplifica toda a tensão do filme.
É claro que o filme está longe de ser arrebatador. Dada a sua simplicidade e temática, faz recordar o cinema deKelly Reichardt (Old Joy e Wendy and Lucy), no seu despojo e na forma como filma a América escura e negra a que não estamos habituados. Ou ainda Frozen River (2008), filme que deu a primeira nomeação ao Óscar paraMelissa Leo, há dois anos. O que por si só é bom, mas não alimenta toda uma audiência sedenta por histórias fulgurantes e arrebatadoras. E é realmente pena, porque temos aqui um filme poderoso, lento, actual. Uma história de superação e determinação que demonstra vontade em recuperar esse lado decaído da América perdida.
Assente na nova sensação do cinema independente, Despojos de Inverno está longe de ser um feel good movie do género. É sim, pelo contrário, um dos filmes mais fortes e contundentes do ano que desmistifica o conceito de american dream – cada vez mais inexistente – e aborda a América perdida, em plena recessão, dramática e despojada. O drama da protagonista é o drama do interior empobrecido da América do Norte. Em plano de fundo, os Montes Ozark, numa atmosfera fria e nebulosa. O Inverno. O inverno da alma. O lado sombrio do Missouri. O lado negro dos humanos, das famílias. À adolescente Ree cabe-lhe o peso do mundo nos ombros, o sustento da família em meio a uma mãe em estado vegetal, dois irmãos mais novos e um pai desaparecido que colocou a casa como garantia do pagamento de uma fiança. A ela não lhe é dado espaço para ser adolescente e para sorrir.
Debra Ganick já tinha agradado no Festival de Sundance com Down to the Bone (2004) onde venceu oPrémio de Realização, com a história de uma mulher casada que tenta desesperadamente esconder o seu vício das drogas do marido, mas que com a chegada do Inverno, a situação torna-se insuportável. Daí que depreende-se – talvez precipitadamente devido à curta filmografia da realizadora – que esta é exímia em retratar essa problemática individual, essa dor interior e força de superação em clima de instabilidade. Este Despojos de Inverno não é assim tão diferente no seu cerne. Daí que consiga tornar-se um portento de filme – sem grandes alaridos, convenhamos – mas totalmente contido. É um filme que se revela a pequenos passos, vagarosamente, ao espectador, assente especialmente no clima atmosfericamente depressivo e frio. Um trabalho de abstracção individual bastante competente e rico, dentro de toda a sua simplicidade.
Obviamente que Jennifer Lawrence – a grande revelação do ano – tal como a sua personagem suporta o peso da responsabilidade precoce, suporta o filme. Num sofrimento contido, mas uma coragem e força imensuráveis. Uma interpretação sóbria, mas absolutamente estrondosa – seguramente uma das melhores do ano, deixando o espectador com um nó na garganta. O mesmo com um irreconhecível John Hawkes, que acabou por merecer o reconhecimento com uma nomeação ao Óscar de Melhor Actor Secundário.
Também o argumento de Debra Ganick e Anne Roselinni, adaptado do romance de Daniel Woodrell é bastante competente na forma simples como contribui para criar um grande filme. As personagens, mesmo que nunca intimamente exploradas – ao contrário da Ree – transmitem a verdadeira noção da história ao contribuir para o sentimento de individualidade e independência apresentado pela protagonista, logo no início, quando a realizadora a filma como durona, solitária, destemida, a cada passo que sobe e desce a colina. É possível, a cada frame, a cada avançar da lenta narrativa, observar o desespero de toda a comunidade, o seu lado sombrio, mas ao mesmo tempo não se perde apenas nessas ambiências, focando-se no estritamente necessário e indo directo ao assunto: o drama pessoal da protagonista. Daí que se torne competente na sua finalidade e evitar os lugares comuns de argumentos do género que se baseiam em meros artifícios como forma de ocultar a (fraca) qualidade da história. Também a fotografia, da autoria de Michael McDonough (dos segmentos “Shunji Iwai” e “Allen Hughes” de New York, I Love You) é igualmente fantástica e preponderante na construção do cenário e ambiente vividos em Despojos de Inverno. Fria, sombria, nublada, amplifica toda a tensão do filme.
É claro que o filme está longe de ser arrebatador. Dada a sua simplicidade e temática, faz recordar o cinema deKelly Reichardt (Old Joy e Wendy and Lucy), no seu despojo e na forma como filma a América escura e negra a que não estamos habituados. Ou ainda Frozen River (2008), filme que deu a primeira nomeação ao Óscar paraMelissa Leo, há dois anos. O que por si só é bom, mas não alimenta toda uma audiência sedenta por histórias fulgurantes e arrebatadoras. E é realmente pena, porque temos aqui um filme poderoso, lento, actual. Uma história de superação e determinação que demonstra vontade em recuperar esse lado decaído da América perdida.
Classificação:
2 comentários:
Odiei o filme :(
A sério?
Eu gostei. É um filme diferente, muito pouco comercial. Um filme escuro e sombrio, que explora relações pouco comuns.
Enviar um comentário