respostas a perguntas inexistentes (190)
O que fica por fazer
Às vezes Amar dá-me medo, principalmente quando me despeço de quem Amo e atravesso a rua dizendo-lhe adeus. Fico a vê-la desaparecer na primeira curva e a distância entre nós ganha peso. Ela vai de carro e eu a pé, sempre em direcções opostas. É quando me apercebo que um eventual fim desse Amor seria como uma amputação duma parte qualquer do corpo. Um braço ou uma perna, por exemplo. Seria consistente, seria físico.
Depois caminho contando os passos. É o que eu faço sempre que tenho medo: invento uma coisa inútil para fazer. Da casa dela ao primeiro semáforo são cerca de duzentos e vinte passos, e é nesse semáforo que deixo de os contar. Fico a ver os automóveis impacientes pela mudança de cor e lá dentro só estão pessoas sós. Algumas irão trabalhar, talvez a maior parte, e percebo que a normalidade é afastarmo-nos uns dos outros. Alívio.
Foi com esse alívio que hoje me detive perante o verde para peões e o vermelho para os automóveis. Fiquei a ver a condutora do primeiro carro da longa fila de automóveis que ali se forma de cada vez essa combinação de cores se dá. Fumava um cigarro nervoso, abria a porta do veículo e tornava a fechá-la como se estivesse estragada. Depois direccionou o espelho retrovisor para se pentear com os dedos. Quis acreditar que ela vinha de uma despedida apressada e que por isso ainda tinha tudo por fazer: fumar, fechar a porta e pentear-se.
É isso que é uma despedida entre duas pessoas que se Amam: o Amor e a vida que ficam por fazer. Não é medo. Ainda bem.
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