sexta-feira, fevereiro 19, 2010

Um homem sério

A Serious Man deixa interessantes memórias ao espectador, de personagens e momentos histriónicos onde o humor negro leva a melhor sobre o mais sério dos espectadores.
Mas esses momentos permanecem em suspenso, seguros a nada em concreto, flutuando para longe na memória.

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Os Coen acertaram no tom do humor, muito negro mesmo, mas falta-lhes propósito. Narrativo, acima de tudo, pois mesmo com tudo girando em torno de um homem sem que pareça ter um destino concreto ou uma ligação sólida; só que igualmente de significado, por mais que já saibamos que eles se viraram para o interior da comunidade que conheceram enquanto crianças e que possam estar em processo catártico ou nostálgico.
O que querem os Coen dizer com este filme, o que querem demonstrar ou exorcizar de si mesmos é algo que não chega a concretizar-se perante o espectador.

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É desalentador para o espectador andar sem rumo com uma personagem tão interessante como Larry Gopnik à sua frente.
Este homem, que parece ser o centro de um mundo profundamente injusto, surge como um misto de mártir perante Deus e um mártir perante Kafka.
A sua frase mais recorrente é "Mas eu não fiz nada", na sua incompreensão do porquê de tudo tombar sobre si.
Só que nessa incompreensão parece ir também confrontando, com uma irreverência que não se coaduna com um praticante consciencioso da religião, a instituição social da comunidade em que se insere e, pior ainda, o sentido pessoal das suas privações como vontade de um Deus com quem viveu a vida toda sem nunca o ter incomodado.

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Parece, porque lá está a questão que fica acima de todas as outras, os Coen não insistem em nada como também não concedem a nada o papel de sugestão intuitiva sobre as personagens.
O público é que tem de assumir que isto lá está para não se ver a braços com um vazio absoluto.
Vazio que recai sobre todas as caricaturas de que são feitas as personagens secundárias e a que só escapa Larry Gopnik devido a uma interessantíssima interpretação de Michael Stuhlbarg, apagado e perdido ao ponto em que já se torna notório no meio das personagens bizarras que povoam a sua cidade.
A sua perplexidade quase permanente associada ao seu disfarce de calma determinação parecem ser marcas de uma personalidade dividida mas com vontade de explodir, submissa à esperança de que tudo retome o seu rumo.

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Só que tal como a personagem que dá vida luta sozinha contra o mundo, assim Michael Stuhlbarg parece lutar sozinho contra um filme cuja melhor sequência - a inicial, evocando fantasmas de outras épocas e imaginários - não se parece ligar a nada do que se segue.
E nem a sistemática súplica dos irmãos Coen para que "se aceite o mistério" convence, pois se nada questionar e tudo aceitar com a simplicidade que pedia o Deuteronómio fosse a regra, então nenhum filme teria de garantir propósito, lógica ou significado, apenas teria de ser aquilo que apetecesse a quem o faz.
O problema é que o filme só termina quando tem público, por isso é preciso pensar com o público e não pedir-lhe que não pense de todo.



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(In)confidência: Um filme estranho que gira à volta de um homem que ainda não se encontrou com ele mesmo e que se deixa ir na maré do que os outros lhe dizem.

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