Escrevi-te tantas cartas que nunca te cheguei a entregar, sabias? Inspiravas-me a escrever. Tinha sempre tanta coisa para te dizer que nunca o conseguia realmente fazer. Sempre achei que faladas as palavras nunca saiam exactamente como eu as queria dizer. O papel sempre as exprimiu melhor. Não que eu as escrevesse e as depois as fosse rever ou apagar ou modificar, quando as escrevia ficavam bem logo à primeira, mas não sei… talvez fosse a tua presença que não me permitisse a clareza de pensamento. Contigo sempre me atropelei um pouco. E a verdade é que é sempre mais fácil ter monólogos do que conversas, porque as conversas tendem sempre a não seguirem o caminho que esperávamos e apanham-nos nas contra curvas, porque simplesmente é impossível prever todos os cenários, antecipar as palavras dos outros, e como tal perdemo-nos no caminho. Eu perco-me. No papel não há erros, não há curvas, não há voltas não antecipadas. Não há interpretações ou tons de voz. Há apenas a palavra nua e crua, o charme da construção frásica do sentimento que se acumula ou o até mesmo a dissipação da frustração. E é este mesmo desfasamento que me torna mais focada, mais certa de mim e de ti e de tudo o resto, como se ganhasse quase uma visão clarividente de como tudo se deve processar. No papel, sou a minha versão melhorada. Uma versão que nunca te dei nas cartas guardadas. Faltou me a coragem ou a vontade, não sei bem. Mais uma vez, sobrou-te a parte mais humana de mim, a que tens defeitos e se atropela. A que se exalta e que é só emoções. E tenho para mim que talvez a outra de mim fosse mais a teu jeito. Mas foi esta que tiveste e amaste. A outra não existiu para lá da minha caneta e da minha gaveta. Nunca a chegaste a descobrir. Mas talvez também nunca a tenhas procurado verdadeiramente. E agora nunca nenhum de nós saberá o que estaria do outro lado do espelho… e tu provavelmente nem nunca te porás essa hipótese, porque tal como as outras esta carta também nunca sairá de onde sempre esteve.
quarta-feira, janeiro 10, 2018
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