quarta-feira, abril 06, 2011

Republicar "Não compreendo as mulheres"

mentiroso, sacana

O Amor é mais velho do que todos nós. Quando nós nascemos já o gajo andava cá há muito. É por isso que não acredito nos que acreditam que o conseguem dominar. Ele sabe mais do que nós. O melhor é tratá-lo bem e com delicadeza, não vá o gajo chatear-se connosco e amuar.
Os amuos do Amor são uma merda. Ponto. O nosso problema é que só percebemos que ele é o mais velho quando nós também já estamos velhotes. É então que aprendemos a lidar com ele com algum respeito e, portanto, a Amar. Quando somos mais putos só fazemos asneiras, mas aí a responsabilidade também é dele, que nos diz que a vida com ele é uma maravilha. Que é fácil. Não, não é. Mentiroso. Sacana.
Um destes dias enchi-me de coragem e fui falar com ele, assim cara a cara. Talvez tenha sido a primeira e última vez que o fiz, mas pelo menos deitei tudo cá para fora. Marquei com ele num café dos subúrbios e ocupei uma mesa do canto. Chegámos ao mesmo tempo, pelo que pedi um uísque para ganhar coragem. O gajo não pediu nada. Nitidamente não estava ali para falar comigo. Vinha ouvir-me por misericórdia. Só isso.
Bebi de golada o primeiro e pedi outro. Foi a primeira coisa que lhe disse: que se estava ali para me fazer um favor podia muito bem ir embora, que detesto quando se põe com compaixões. Aliás, o que mais detesto nele é a forma como se veste e fala. À conta disso já me tinha lixado a vida. "O que é que tu queres, pá?", perguntei-lhe. E ele mantendo um silêncio contínuo. "Deixa-te desse sorriso ignóbil senão fodo-te o focinho!", insisti e fiz o gesto como se o fosse esmurrar. O gajo nem se mexeu. É corajoso.
Acho que foi a primeira vez que todos nos café olharam para nós. Disse-lhes para terem calma, que nós éramos velhos amigos e essas coisas. Aproveitei para pedir mais um uísque e baixei o tom de voz. Perguntei-lhe porque é que eu só me apaixonava por mulheres que não gostavam de mim, daquelas que sorriem uma vez, dão uma volta à nossa frente e depois vão-se embora sem sequer olhar para trás. Disse-lhe que se era para isso mais valia nem sermos amigos, que ele podia ir embora e não voltar mais. Aliás, nunca o devia ter conhecido. E o gajo sempre ali quieto. "Mentiroso, sacana", desta vez chamei-lhe mesmo.
Pedi-lhe só que me explicasse uma mulher. Uma delas. A Sandra, por exemplo. Trabalhava na caixa dum supermercado onde fui comprar bebidas para uma noite com amigos. Ela disse, enquanto passava as várias garrafas no leitor de códigos de barras, que também andava a precisar duma festa. Nesse momento convidei-a, nessa noite ela apareceu e nessa mesma noite fizemos Amor e adormecemos juntos. De manhã ela não estava. "Que merda foi essa, pá?" E cuspi-lhe na cara.
A dona do café apressou o passo na nossa direcção. Tentei focá-la mas o uísque fez-me aninhar a cabeça nos meus próprios braços enrolados na mesa. "Mais um uísque", pedi. "Não pode ser, se quiser tiro-lhe um café. Já bebeu muito", respondeu ela. E percebi que me abraçava enquanto eu molhava as mangas da camisola com algumas lágrimas fugitivas, e que se me abraçava era porque estava sentada no lugar do Amor. Ele tinha-se ido embora sem sequer dizer adeus deixando-me ali sozinho com ela, sem saber se envergonhado ou apaixonado. Levantei a cabeça ao mesmo tempo que ela pousava o café na mesa e me punha a mão no ombro. "Vá lá, beba isso com calma...", segredou-me. A voz dela era doce. Obrigado.

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